segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Oração para o Ano Novo




Que Deus me proteja pra sempre da falta de sonho, que esteja comigo todas as vezes que o juízo quiser atacar meu cérebro fazendo de mim um homem comedido e sensato. Que evite que meus devaneios se transformem numa meticulosa planilha no excel. Que Deus me proteja, com sua força e luz, da mediocridade escassa de sobressaltos da realidade cotidiana. Que esteja comigo para que eu jamais me contente com empregos e salários e apartamentos e grifes e queira algo mais excitante, berrante, arrepiante da vida…
Ah, que me proteja dos chatos, das conversas burras, de gente preconceituosa, careta, mesquinha e egoísta… Que a força divina me impeça de trabalhar apenas para pagar um financiamento em 120 meses de um apartamentinho qualquer. Que evite que eu tenha um relacionamento morno e sem graça.
Me proteja, senhor, da ausência de ousadia na vida, da sensatez estéril …
E me permita tomar meus porres, ter minhas idéias, fazer projetos, falar bobagens, implicar com quem amo, quebrar a cara e dançar livre em alguma madrugada…
Mantenha-me procurando os diferentes e sendo assim mais igual aos diferentes do que aos iguais…
Que eu ainda consiga mergulhar na minha pequena insensatez e sentir que sou cada vez mais eu mesmo. Que eu possa fazer o que posso e sentir que assim estou vivo e caminhando e crescendo. Que meu choro venha com mais vigor, que meus afetos não tenham medo do esforço e invadam minha vida com seus doces e seus amargos...
Que eu sinta o gosto das coisas.
E permita que eu dance pelado pela minha casa, cantando uma música qualquer dois tons abaixo do correto e achando que um dia ainda vou aprender a cantar. E permita que eu goze com meu amor não apenas o sexo mas o companheirismo, a parceria e a cumplicidade. E permita também que eu realize uma ou duas fantasias sexuais bem apimentadas, daquelas que não tenho coragem de mencionar ao senhor.
Permita que eu desenhe e pinte e escreva feito um louco mesmo que tudo vá para o lixo depois. Permita que eu perca tempo, que não faça nada, que devaneie ao menos duas vezes por dia.
Senhor, permita que eu seja criança, que eu brinque, que eu me engane, me decepcione…
Fazei, Senhor, com que eu sinta os sentimentos, com que abrace meus amigos, com que eu abrace os desconhecidos, com que possa estar ao lado de alguém que necessita de ajuda e compreensão em 2008. E com que eu possa pedir ajuda sempre que precisar. E possa chorar e rir sempre que tiver vontade. E não tenha vergonha de demonstrar o que sinto.
Me permita olhar nos olhos das pessoas, me permita dizer o que sinto, me permita reforçar os laços.
Permita que eu possa sempre confiar e acreditar e mergulhar de cabeça mesmo que ás vezes bata de cara no fundo duro de uma piscina rasa.
Me permita sonhar alto, jogar alto, arriscar de verdade.
Me afaste das piscinas rasas, dos aquários apertados e faça com que eu nade em mares abertos mesmo que engula baldes de água quando o fôlego acabar.
Faz de mim um homem mais corajoso no próximo ano, Senhor.
Quero viver assim em 2008.
E em Dezembro do ano que vem quero estar um pouco mais humano do que estou agora.
Pra pedir tudo isso de novo

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

quarta-feira, 22 de agosto de 2007


Confesso que estou em um momentos de "apostas altas" na vida, o que me faz viver um turbilhão de emoções. Por vezes sou todo serenidade e equilíbro, noutras sou apenas medo e olhos assustados... O que era conflito passa ser apenas uma lembrança, cedendo seu lugar a um outro conflito, desconhecido, que emerge clamando por atenção e assim, sucessivamente, velozmente, vertiginosamente, os conteúdos da minha subjetividade louca e agitada executam sua dança das cadeiras.
Talvez seja por isso que o amor se assusta comigo e eu com ele. Sempre tive muita energia emocional, e sentir com vigor é meio demodê. Quando eu amo sou oceano e os mergulhos hão de ser profundos... Bater as pernas no raso pode ser divertido no início, mas é melancólico depois de um tempo. Pude ver isso muitas vezes, pude ver amigos leves, desencanados e superficias, tornando-se amargos e ressentidos... E patéticos... Brincando de nadar com a água pelas canelas...
Estou no fundo do mar, é lindo aqui... Se o ar acabar e eu morrer, ao menos terei visto a sereia...

segunda-feira, 25 de junho de 2007

1, 2, 3, 4.


1.
O chão está frio. Ele não se importa, não ao ponto de parar, ou de ao menos pensar em colocar os sapatos... Segue caminhando descalço no chão gelado. Essas calças de pijamas já estão curtas, pode ver suas canelas, daqui há pouco poderá ver seus joelhos, porque as calças estão curtas e ele não pára de crescer... Não sei se pensaria assim quando tinha três anos... Não sei se pensaria em calças curtas e em estar crescendo tanto... Mas hoje, lembrando-se daquele dia pensou... É como se houvesse feito toda essa reflexão sobre os pijamas e o crescimento com três anos de idade. Nada disso. Naquele dia certamente ele apenas caminhava pelo chão frio com os pés descalços... e caminhava rápido e nas pontas dos pés para chegar logo onde queria. Lá estava ele, saindo da cama e indo ao encontro da mãe na cozinha sem antes calçar os sapatos.
Os dias frios da infância parecem tão mais frios quando ele se lembra deles hoje. Assim como tudo me parece ser tão mais triste. Não sabe se era triste naquele tempo. Talvez nem sequer perecebesse os motivos que faziam sua infância estar longe de ser a infância que queria... Porque naquele tempo talvez ele nem pensasse em querer uma infância diferente… Não pensava em nada disso, ou se pensava , não lembrava mais.
O chão ainda está gelado sob seus pés, vê as canelas no pijama curto, procura sua mãe que deve estar fazendo café na cozinha… Sente frio…
A casa é escura e triste. Uma casa não pode ser triste. Tristes eram as pessoas… Ou triste é lembrar disso tanto tempo depois.
O chão frio faz com que o percurso que separa seu quarto da cozinha fique ainda mais longo… Caminha rápido e parece nunca chegar aonde quer… Os pés gelados…
Acordar e sair andando pela casa vazia a procura de alguém era o momento em que sentia-se só e corajoso. Desbravando o espaço sem que ninguém o controlasse ou protegesse… Imaginava –se astuto e rápido, passando entre os leões selvagens que dormiam no corredor da casa, pronto para lutar caso algum deles acordasse e resolvesse atacar…Estava na selva do seu corredor e tinha alguns minutos dessa aventura excitante até que sua mãe o visse
“meu deus, o que vc está fazendo fora da sua cama? E descalço nesse piso frio…” Então ela o tomava nos braços e o devolvia ao colchão.Ele não era mais o herói desbravador do perigoso caminho entre o quarto e a cozinha. Era apenas um menino no colo da mãe…

2.
O chão está frio. Ele sai do banho e esquece de calçar os chinelos. O banheiro branco inunda-se com a luz do sol da manhã. Tudo é claro no banheiro branco. Pára em frente ao espelho embaçado para fazer a barba. Os pés no piso frio do banheiro o fazem ter pressa para sair dali e calçar seus sapatos. Uma gota vermelha emerge na face depois de um movimento mais afoito com a lâmina de barbear. A pressa… Ele sabe que poderia parar, calçar os chinelos e fazer a barba tranquilamente. Não faz isso. Ele não age tranquilamente. Estanca o sangue com um minúsculo pedaço de papel higiênico. O pequenino retalho branco de papel adere á pele recém barbeada e logo tinge-se de vermelho também. Um círculo vermelho bem no meio do retâgulo branco de papel. E ele pensa que tem a bandeira do Japão em sua face.
Fica uns instantes parado, olhando a sua pequena bandeira do Japão…
O chão gelado sob os pés o faz lembrar que precisa se apressar. Gosta de ficar horas detido em seus pensamentos, em suas pequenas imaginações, suas observações pueris a respeito de tudo. Não pode mais. Tem que trabalhar agora. Os momentos em que divagava sobre o nada ou qualquer coisa que lhe parecesse interessante em frente ao espelho o faziam ter a sensação de ser especial. Queria habitar esse mundo que trazia na cabeça. Queria ser sútil e sonhador. E respirar uma espécie de éter que o levasse pra longe. Mas o relógio marcava seu tempo e o trabalho o esperava. Ele não era mais o gênio com olhos de lince capturando detalhes tão discretos do mundo que ninguém mais podia ver. Era apenas um homem que tinha que trabalhar…

3.
Levanta-se devagar.
Move-se tão lentamente que nem pode acreditar que é a mesma pessoa que sempre teve tanta pressa ao acordar…
O chão frio debaixo dos seus pés descalços…
Calça um chinelo lentamente.
Olha para a cama vazia.
Quer voltar e domir pra sempre.
Os pés quentes, protegidos pelo chinelo de feltro…
Silêncio durante seus momentos de inércia…
Sente as pálpebras pesadas sobre os olhos, sente os braços pesados querendo chegar ao chão, a vida pesada sobre as costas…
Não vai a lugar algum. Fica parado diante da cama. Nenhuma pressa, nenhuma urgência…
Pensa em beber alguma coisa. Desiste. Beber pela manhã não parece boa idéia. Nada lhe parece boa idéia.
Olha para a cama mais uma vez.
Vazia.
Consegue chegar até a cozinha . Anda tão lentamente que parece não estar andando. Sente-se como se fora levado por algo ou alguém. Prepara um café. Esbarra na xícara que cai no chão e se parte em dois pedaços grandes. Pega outra xícara. A primeira permanece no chão, quebrada em dois pedaços.
Agora ele não tem mais nenhuma pressa. Pode ficar olhando os dois pedaços da xícara que nunca mais se juntarão. Ele não é mais alguém que precisa correr para o mundo e começar a trabalhar.
É apenas um homem sem vontade.

4.
Ele está frio.

segunda-feira, 18 de junho de 2007

Prozac



O bar não poderia ter nome mais apropriado: Van Gogh! Algumas garrafas de cerveja sobre a mesa. Algumas doses de tequila fazendo uma viagem alucinante pela minha corrente sangüinea, eu, alguns conhecidos e aquela mulher que se aproximou de nós e acabou sentando com a gente. Era uma daqueles momentos bizarros, um encontro de pessoas bizarras... A mulher era uma mistura de prostituta junkie com professora de catequese. Aquela cara branquinha, aquele olhos azuis , aquele comportamento mais do que vulgar, aquelas roupas de dançarina de grupo de pagode prestes a se aposentar...
Um corpo que não era bonito, magro demais...um rosto que não era bonito, cansado demais... E roupas que ela jamais deveria usar. Ela era vulgar! Mais vulgar do que qualquer outra naquele bar, mais vulgar e barata que qualquer outra... Esperava tudo daquela mulher, menos que ela fosse capaz de formular frases.

- Será que o Prozac pode acabar com a arte? – disparou entre um gole de tequila e outro.
Fiquei em choque. De onde ela tirou essa idéia?
- De onde você tirou essa idéia? – perguntei imediatamente.
- Ué, vocês estavam falando que arte é um jeito de agüentar as angústias, que arte só existe porque existe a angústia, o Prozac acaba com as angústias , então pensei que o Prozac poderia acabar com a arte também... – ela respondeu sem pestanejar.
- Hã?! – eu, estupefato, sem saber o que dizer.
Ela me olhava e sorria singelamente mostrando seus dentes amarelados de tanto cigarro enquanto esperava minha resposta.
- Não sei – respondi – E você, o que acha?
- Pra mim não muda nada, não sou artista. Só admiro vocês que podem fazer essas coisas, se eu pudesse pintava um monte de quadros e botava na minha sala. Ou então vendia…
- Mas quando você tem angústias o que você faz?
- Isso que eu tô fazendo agora?
- Isso o quê?
- Vou a um bar e sento na mesa de um desconhecido, qualquer um, um cara solitário, carente, que esteja afim de papo e me pague uma bebida. Fico falando umas bobagens, encho a cara de tequila e esqueço as minhas tristezas, esqueço tudo…

Não ousei perguntar, mas era óbvio que naquela noite o desconhecido solitário, carente, e afim de papo com qualquer pessoa era eu. Aquela mulher decadente, abandonada, mal vestida, feia e magra que eu permiti que se sentasse na minha mesa como um favor, uma concessão, um ato de caridade que se faz para um ser necessitado acabara de dizer que me via como um cara solitário, carente, louco por qualquer companhia e otário, que paga a bebida que ela não pode pagar...

- Tu acha que arte só existe porque as pessoas são angustiadas? – ela insistiu em me interrogar.
- Não sei – eu repsondi, meio confuso...
- Se tu vai num psicólogo, tu não precisa mais ser artista , né?
- Sei lá. – eu não sabia mais o que dizer.
- Mas será que vale a pena? Acho melhor ser artista do que ir no psicólogo e depois não saber mais pintar nada.
- Pode ser...- aquilo já estava me irritando muito.
- Eu não tenho psicólogo e não sou artista, que merda, né?

Fiquei mudo. Não sabia mais o que dizer para aquela criatura que me interpelava com questões tão complexas. Bebi mais um gole de tequila tentando ganhar tempo até que me ocorresse uma resposta que justificasse a impáfia com que eu a havia tratado até o momento…
Observei-a cuidadosamente. A saia curta de Lycra preta, a miniblusa de um tecido metalizado, as costelas que apareciam no corpo magro, os seios pequenos e bem abaixo do que deveriam estar…
Ela bebeu o último gole de tequila que havia em seu copo enquato rabiscava algo em um guardanapo com a caneta que o gaçon deixara sobre a mesa… Olhava para mim como se soubesse que eu não tinha resposta. Seus olhos fundos… me olhavam com uma esperteza que eles definitivamente não tinham dez minutos antes… Percebeu meu contragimento, deve ter se enchido da minha companhia, sei lá…
Levantou-se .

- Tudo bem, gato, não fica pensando nisso, não… Prozac, arte, médico… No fim é tudo a mesma bosta… Vou nessa…

Carimbou minha bochecha com seu batom vermelho vivo e saiu cambaleante, esbarrando nas pessoas que estavam por perto. Pensei em chamá-la de volta. Nem sequer sabia seu nome. Também achei que não seria bom me humilhar novamente dizendo que queria a companhia dela, e que ela se revelara uma companhia interessante, e que eu até começara a ver um certo charme em sua face marcada de rugas e maquiagem barata…
Esbocei um aceno.. Ela nem viu. Foi bêbada por entre as mesas até sumir porta afora…
O guardanapo rabiscado ficou sobre a mesa: Úrsula, Úrsula, Úrsula, Úrsula, Úrsula…

terça-feira, 12 de junho de 2007

Os homens são todos iguais.



"Os homens são todos iguais." Dediquei uma parte da minha vida a combater essa afirmação feminina. Classificar os homens como todos iguais tirava de mim o meu mais precioso atributo: a originalidade. Ser um homem diferente sempre me envaideceu muito mais do que qualquer outra coisa. E sempre ouvi isso como um elogio. Ás vezes demorava, devo admitir, e eu era obrigado a me superar em minhas habilidades de homem feminino para que uma ou outra moça mais durona me dissesse a tão almejada frase. Sempre chegava o dia em que eu ouvia:“ você é um homem diferente”. Soava como música aos meus ouvidos e, juro, acreditava que isso fazia de mim uma experiência inesquecível. Sendo eu um produto tão raro no mercado mundial de homens disponíveis, a minha cotação chegaria às alturas. Claro que eu desejava ser disputado a tapa pelas moçoilas sedentas por um pouco de compreensão. Afinal é isso que todo o mortal deseja. Nunca fui disputado a tapa. E minha cotação no tal mercado nunca foi lá grande coisa.
Essa parte da vida estava estagnada, sem surpresas, sem grandes alegrias e as decepções também não eram de tirar o fôlego de ninguém. Ou seja, fazia lá o meu papel de homem sensível sem muita dificuldade. Esforçava-me para sê-lo da forma mais digna possível. Em nome disso eu fazia coisas incríveis como discutir a relação antes mesmo que ela fizesse as malas e dissesse que estava indo embora para sempre ou prestar atenção quando ela dizia que seu cabelo era horrível e que nenhum cabeleireiro conseguiria consertar. Lá estava eu, levando minha vida de homem sensível e diferente dos outros...
Uma nova moça surgiu, eu outra vez lancei mão de todo o meu arsenal de sensibilidade masculina para que ela me dissesse o mais rápido possível o quanto eu era diferente de qualquer outro. Ela não disse. Por mais que eu me esforçasse, me mostrasse interessado em ouvir tudo o que ela tinha a dizer sem cochilar nenhuma vez, ela não dizia. Parecia estar completamente desinteressada pela minha sensibilidade. Isso me deixava louco. Mas ela gostava de sexo, e demonstrava isso de forma a não deixar sombra de dúvida. Isso também me deixava louco. Foi numa dessas noites animadas que ela me veio com a frase que derrubaria o meu império de homem moderno e original. “ Seu pau é grande”, ela me disse. Assim mesmo, sem rodeios, sem floreios, sem vergonha. Olhou para o dito cujo e disparou. Naquele momento eu descobri o que era uma frase soar como música aos meus ouvidos. Isso sim foi uma orquestra sinfônica de Berlim detonando a mais poderosa sinfonia de Beethoven na minha orelha.
Fiquei extasiado, boquiaberto, sem respiração... Meu peito instintivamente foi se inflando, meus olhos semiserraram-se, minha boca esboçou um discreto sorriso somente no lado direito... A frase repetia-se na minha cabeça como se houvesse sido pronunciada numa enorme catedral onde o eco se encarregasse de multiplicá-la milhares de vezes...
Sei que devem estar se perguntando quem me garante que ela estava falando a verdade... Ninguém garante. E ninguém se importa. Eu não me importo. O importante é que falou. E que algo aconteceu dentro de mim naquele momento. Eu acabara de ouvir a frase mais linda do mundo, acabara de descobrir que estava com a mulher mais linda do mundo e começava aquela que seria a trepada mais linda do mundo. E foi mesmo... E como naquela noite eu me permiti ser previsível e comum e igual a todos os outros... E como eu gostei dessa sensação... E como eu senti orgulho do meu pau... Me senti grato por ele existir, por me dar tantas horas de alegria, por ter estado sempre pronto quando eu precisei. Tá bom, tá bom, nem sempre, eu admito… Mas que importância tem que ele não tenha comparecido uma vez ou outra? Na maior parte das vezes ele sempre esteve lá, meu amigo de fé, meu irmão camarada. E tomou vida depois daquela noite. Hoje eu converso com ele. Digo palavras que o animam quando ele está cabisbaixo demais, incentivo quando ele está dando tudo de si: “- vamo lá, amigão, não me decepciona....”
Bem, é verdade que eu não sou mais tão sensível quanto era antes. Mas também não sou tão só. Hoje tenho a companhia de todos os homens do mundo. E me solidarizo com eles. Até com aqueles que batizam o próprio pênis com algum apelido ridículo e dizem isso em público. Entendo o que eles sentem. Sentir esse orgulho é a coisa mais séria e profunda que pode acontecer a um homem embora seja bastante ridículo também. E todo o homem precisa disso para se sentir homem de verdade. Embora esse negócio de se sentir homem de verdade seja mais ridículo ainda. Enfim, homens são ridículos... Homens de verdade são mais ainda…E todos são definitivamente iguais. E não me venham com teorias femininas a respeito disso. Teorias não me interessam em nada, jamais me proporcionaram um décimo da satisfação que sinto a cada vez que lembro daquela frase de novo. Além disso, discutir a relação sempre foi uma chatice, homem sensível é um porre, cavalheirismo é do século passado e homens heterossexuais, hoje em dia, depilam o peito e fazem bronzemento artificial…
Ahhhh, tenham a santa paciência!

terça-feira, 29 de maio de 2007

Segundas-feiras




Segundas-feiras podem ser quase tão entediantes quanto os domingos.
São dias infernais, cheios de contratempos e malditas coincidências.
Malditas coincidências que nem Jesus Cristo consegue evitar.
Como por exemplo encontrar aquela pessoa no almoço.
Como por exemplo o restaurante estar lotado.
Como por exemplo ela me convidar para sentar em sua mesa.
Como por exemplo eu aceitar.
Como por exemplo respondermos ao garçon ao mesmo tempo, e pedirmos a mesma coisa, como se houvéssemos ensaiado tudo aquilo durante dias.
Ou pior, como se nunca houvéssemos nos separado.
Como se nunca houvéssemos gritado um com o outro, como se nunca houvéssemos dito: onde eu estava com a cabeça ao me apaixonar por você.
E fomos obrigados a rir meio sem graça como sempre acontece naqueles filmes de quinta categoria que a Meg Ryan faz.
OK. Minha segunda-feira se transformara numa comédia romântica de quinta categoria. E eu, o galã de quinta categoria, cometeria uma sucessão de atos patéticos e sem sentido. E minha Meg Ryan, infinitamente menos atrapalhada do que eu, deixaria bem claro o quanto elaborou nossa separação, o quanto evoluiu em seus sentimentos e viu que aquilo tudo era bobagem… E nesse momento ela riria, com aquele ar de quem gastou uma fortuna em psicanálise nesses oito meses e duas semana que não nos encontramos.
“Nossa, eu nem me lembro quanto tempo faz que não nos vemos… Faz bastante, não?”
Ah, e ainda tem isso, a Meg Ryan nem sequer se lembra que faz oito meses e duas semanas que não nos vemos…Não contou o tempo, não lembrou de mim, tampouco pensou todas as manhãs: Hoje faz oito meses e seis dias…. Hoje faz oito meses e sete dias…
Segundas-feiras.
Jesus cristo, por que você me abandona nas Segundas-feiras?
Por que você fica aí parado nessa cruz e não faz nada?
Eu deveria me suicidar em todas as segundas-feiras.
E evitar que coisas horríveis como essas acontecessem.
Minha auto-estima faz isso. Ela comete suicídio a cada segunda-feira.
E as coisas horríveis que me acontecem parecem ser mais horríveis ainda.
Se naquele exato momento o meu cérebro fosse aberto e todos no restaurantes pudessem ver e ouvir os meus pensamentos certamente eles jogariam seus guardanapos na minha cara, lançariam pratos de sopa na minha cabeça e gritariam em coro: Otário, otário!!! Eles veriam quando eu percebi que ela usava o mesmo perfume que costumava ficar no meu lençol depois que passávamos uma noite juntos, e veriam que nessa hora eu respirei mais fundo só para sentir mais um pouco aquele cheiro. E veriam também que eu quase fechei os olhos para me lembrar melhor daquelas noites. Quase. Porque consegui evitar esse ato que seria demasiado humilhante mesmo que somente eu percebesse.
Ainda me restava um pingo de dignidade. Nessa hora percebi.
Ela estava bem. Estava linda e alegre.
A vaca.
Estar alegre depois da nossa separação...
E eu havia tomado a iniciativa de terminar tudo. E ela dizia que ainda gostava de mim. E queria continuar. Ela chorava, eu olhei bem nos olhos dela e disse:
“O melhor é terminarmos por aqui.”
“Mas a gente pode continuar se vendo, não?”
“Não. Se vc quiser ligar para a gente conversar tudo bem. Mas eu não quero mais me encontrar com você”, eu disse forte, implacável, demonstrando toda minha segurança e maturidade quanto àquela decisão.
“Vou sentir sua falta.”
Ela chorou quando me disse essa última frase oito meses e duas semanas atrás.
E agora estava alegre, a vadia.

Mas hoje é segunda –feira… E tudo é diferente numa segunda-feira. Durante o almoço eu repassei mentalmente todas as vezes que a vi nua. Lembrei dos seus seios, dos seus pêlos, suas costas… E parece que ela percebia meus pensamentos, esboçava um sorrisinho de canto quase que debochando de mim. Quase coisa nenhuma. Debochando de mim. Debochando muito..

“Vamos dividir uma torta de limão?” Ela me perguntou.

A torta de limão que a gente sempre dividia. Isso quando a gente estava junto. Agora não tinha mais nada a ver. Comer uma tortinha de limão e no final passar o dedo no prato para pegar os últimos farelos. Ridículo. Isso fazíamos quando éramos apaixonados, não agora.
Não quero essas intimidades com você, sua vaca. Vou comer outra coisa. Nem quero sobremesa hoje.

“Claro, você sabe que eu adoro aquela torta.”

Definitivamente as palavras que saem da minha boca têm vida própria numa segunda-feira. Comemos a torta, limpamos o prato com o dedo. Nossos dedos quase se tocaram duas vezes… Duas não, três vezes. Nossos dedos quase se tocaram três vezes, quase.... Cada vez que isso acontecia eu sentia um calafrio e tinha vontade de gritar: volta pra mim, volta pra mim, eu te amo, a vida é uma bosta sem você...
OK, OK, isso é um tremendo exagero, mas eu sou o galã da comédia romântica de quinta categoria, lembram? Tenho direito sagrado de ser patético. E como exerci esse direito sagrado naquela segunda-feira...
Jesus Cristo, você pularia da cruz e daria um tapa na minha cara se visse o que eu fiz.
Eu a convidei para jantar.
Sim, eu que a havia dispensado definitivamente oito meses e duas semanas antes, estava ali, convidando-a para jantar. Com direito a olhar de mormaço, cara maliciosa e uma voz aveludada que faria qualquer canastrão morrer de inveja.
Ela olhou nos meus olhos, sorriu e disse:
“Não.”
Segunda-feira.
Eu deveria me suicidar nas segundas feiras.
Ou deveria andar sempre com um buraco por perto para enfiar minha cara quando essas coisas acontecessem. Eu e minhas comédias de quinta categoria.
Ah, Jesus Cristo, você bateria com a cruz na minha cabeça se me visse fazendo aquilo.
Segunda-feira.
Odeio Segundas-feiras.

Vizinha






Já falei para vocês que eu me mudei e que tenho uma vizinha que anda pelada pelo apartamento em frente a minha janela? E que eu tenho andado igual a um tarado broxa da terceira idade me esgueirando por trás das cortinas para observa-la sem que ela me veja? Enfim, eu estava fazendo esse papel ridículo de espiar vizinhas nuas até uma bela manhã, quando eu, que estava pelado, fui fechar a janela e deparei com a vizinha, tão pelada quanto eu , fechando a janela do seu apartamento também. Bem, estávamos lá, os dois nus, frente a frente, e foi inevitável passear pelo corpinho da vizinha com o olho mais do que arregalado. Ela também aproveitou o instante para dar uma boa checada no meu. Não tive coragem de arriscar um oi, tampouco um bom dia... Saí meio sem jeito e ela também...
A partir desse dia tenho assistido a várias performances de nudez da vizinha, que depois que percebeu o meu interesse por sua anatomia passou a caprichar mais e mais nas horas em que fica em frente ao espelho...
E como se isso não bastasse, agora também posso ver a vizinha na companhia do seu marido ou namorado em plena cópula. E chamo aquilo de cópula porque francamente é a palavra que mais se adequa ao que eles fazem. Não ousaria chamar aquilo de sexo. Ainda não cronometrei, mas qualquer dia farei isso. Não deve durar mais do que dez minutos o intercurso sexual de minha vizinhança. E tudo é metódico e se repete a cada dia ( pelo menos fazem todo o dia, se isso serve de consolo para alguém) A cena é sempre a mesma. Eu chego e vou para a janela, ela já se encontra em seu quarto, invariavelmente nua, em frente ao espelho, ora penteando os cabelos, ora desfilando e analisando seu próprio corpo. Aí, ela cansa e se deita sobre a cama. Chega o marido no quarto, só de cueca. Ele se deita ao lado dela. Beijam-se por uns trinta segundos aproximadamente. Ele então tira a cueca exibindo uma bunda espetacularmente branca. E acontece aquilo! Aproximadamente uns quatro ou cinco minutos de vai e vem. E acaba. Sim, acaba aos cinco minutos do primeiro tempo. Ele se levanta e sai do quarto em direção ao banheiro. Ela liga a TV e fecha a cortina.
E eu fico lá, procurando nas outras janelas vizinhas, tentando descobrir um casal adepto de práticas mais animadoras.
De tão repetitiva e sem graça a função do casal acabou com meu apetite de espião sexual de vizinhas. Agora, quando chego em casa e vejo que chegou a hora do casal copular fecho imediatamente minha janela : hoje não, estou com dor de cabeça!

domingo, 27 de maio de 2007

Texticulo


O homem escreve alguma coisa. Quer ter alguma idéia genial ou ao menos divertida. Não está genial, tampouco divertido nesse dia. O homem está triste. Triste de uma tristeza que vem de tão longe que ele nem ousa questionar… Aceita a tristeza e se deixa corroer por ela. O homem quer ficar cada vez mais triste e sofre o prazer de estar sofrendo tanto assim…

domingo, 20 de maio de 2007

Úrsula, outra vez...



Faz tempo já…
Úrsula desaparecida…
Deve ter sido atropelada numa noite de bebedeira…Só pode ser isso.
Ela não sumiria assim sem um motivo…
Úrsula que é feia e burra jamais deixaria alguém como eu …
Jamais
Outra qualquer sim, mas não Úrsula… Feia e burra…
Sinto falta da buceta de Úrsula.
Feio falar assim.
Mas ela é feia. Nosso caso é feio..
O gozo dela é feio, faz caras horrendas, berra, estremece toda, contrai os músculos pélvicos… Contrai, contrai…. Sinto falta…Contrai…
Sempre bêbada, sempre louca, sempre rindo, sempre cheia de desejo…
E feia, burra, mal vestida, vulgar.,.,
Odeio Úrsula… Odeio mesmo. Se eu pudesse matava… Dava um tiro, uma facada…
Matava, eu matava se eu pudesse…
Porque ela é feia, horrenda… e sumiu…
Assim, sem dizer nada… Não a encontro em nenhum lugar… Vaca…
Cadê você?
Cadê você que não me deixa mais viver?
Cadê você que não me deixa mais querer ninguém?
Deve ter sido atropelada numa noite de bebedeira…
E morrido…
Ela está morta, ou quase…
Úrsula que é feia e burra jamais me deixaria assim …
Já fui aos bares que ela frequenta… Nada.
Já fui aos bares…
Deve ter morrido mesmo…
Ou quase…
Normal isso…
Ela morreu e eu nunca mais a verei…
Isso pra mim não é nada… †enho minha carreira pra cuidar…
Ela que fique lá, morta…
Ela nunca significou nada para mim mesmo…
Que morra de verdade essa vaca traidora… que abandona pessoas…
Morta. Você está morta para mim.
Sempre esteve, nunca liguei pra você…
Úrsula…
… e se você morreu?
Jâ procuirei nos bares, já perguntei…
Você não morreu mesmo não é, sua idiota?
Você não morreria agora, morreria?
IML
Lista telefônica.
Qual o número do IML?
Deve ter sido atropelada …
Ela não sumiria assim sem um motivo…
Não sumiria…

Bilhete


Terça-feira, Janeiro 13, 2004



Acordei feliz! Ela estava ao meu lado! Tão gostosa a noite passada...
Ai... se um dia ela for embora...
Dava até um nervoso só de pensar.
Queria tê-la para sempre.
Olhei para ela dormindo ao meu lado e escrevi todo o meu amor num bilhete.
O bilhete era assim:

"Meu amor, se você for embora
eu te dou uma surra
até você cair no chão e não ter forças para me deixar.
Se você falar em fugir,
eu te amarro na cama,
te prendo com algemas,
amordaço tua boca,
acorrento teus pés...
Se você um dia pensar em ir com outro
eu ponho um sonífero na sua água,
se ainda assim você pensar nisso,
eu ponho uma droga na sua bebida,
obrigo você a cheirar clorofórmio, benzina, morfina.
Se você insistir, meu bem,
eu dou um soco na sua cara, eu arrebento seus dentes, deixo seu olho roxo.
Se você disser que vai me deixar,
eu quebro suas pernas,
raspo seus cabelos,
te dou choques elétricos,
te ponho no pau-de-arara,
te afogo na banheira,
meu amor, se você quiser me abandonar...
Eu te dou um tiro de revólver,
de metralhadora,
eu boto uma granada debaixo do seu travesseiro
se você quiser me deixar!
Sem você eu sou só força sem fé,
sou um grito sem voz,
um conteúdo sem forma!
Sem você, meu amor, eu sou só um grandão besta que não sabe viver,
um grandão que perto de você é menino assustado,
é olhos tristes,
frio na barriga, coração gelado só de pensar...
Só de pensar que um dia você pode ir embora"

No dia seguinte ela partiu.
Nunca mais falou comigo.
Foi na delegacia e registrou uma queixa contra mim.
Ameaça de morte, ela disse...
Putaquepariu - cada mulher insensível nesse mundo.

Ator-apresentador-locutorsolteiro-artista


Ator-apresentador-locutorsolteiro-artista está pensativo em frente ao computador.
Macy gray canta sua SEXUAL REVOLUTION.
É domingo, ele odeia esse dia.
Dia idiota para pessoas idiotas.
Inclusive você - diz a ele a voz estridente de sua inconveniente consciência.
Consciência estúpida sem qualquer serventia na hora de aumentar sua conta bancária.
Macy insiste na SEXUAL REVOLUTION.
Where, Macy, where? - ele grita.
Grita com tanta vontade que a tela do computador fica cheia de gotículas de cuspe.
Mais interessante assim.
Macy segue cantando e nem sequer sabe que ele existe.
Ator-apresentador-locutorsolteiro-artista pensa nas suas duas pessoas.
Duas.
Apenas duas.
O mundo modernete acha demais: duas.
A não ser que uma não saiba da outra e a outra não saiba da uma e ele finja que não sabe de nada.
O mundo modernete é de uma complexidade...
E por isso ele não pode ter as suas duas pessoas consigo ao mesmo tempo sem ser o maior cafajeste-filho-da-puta-desgraçado que já nasceu.
Ele pensa em telefonar para uma de suas pessoas.
Tem que escolher uma.
Damn it.
SEXUAL REVOLUTION - canta outra vez macy Gray.
But not here in my life - ele responde.
Ator-apresentador-locutorsolteiro-artista desliga o computador.
Cala a boca, Macy Gray! - ele resmunga entre dentes.
Ator-apresentador-locutorsolteiro-artista não telefona para ninguém.
Talvez se masturbe mais tarde e vá dormir sozinho.
OK.
It's a reality show!

Hilda Hist


Há dez anos ele tentava escrever o primeiro verso de um poema. Era perfecionista. Aos 30, anteontem madrugada, gritou para a mulher: consegui, Jandira! Consegui!
Ela ( sentando-se
na cama,
desgrenhada) O quê? O emprego?

Ele Claro que o verso, tolinha, olha o brilho do meu olho, olha!

Ela (bocejando) Então diz, benzinho.

Declamou pausado o primeiro verso: ¿Igual ao fruto ajustado ao seu redondo...¿ Jandira interrompendo: peraí... redondo? Mas nem todo o fruto é redondo...


Ele São metáforas, amor
Ela Metáforas?!?!
Ele É... E há também anacolutos, zeugmas, eféreses.
Ela ?!?!? Mas onde é que fica a banana?


Ele enforcou-se manhãzinha na mangueira. O bilhete grudado no peito dizia: a manga também não é redonda, o mamão também não, a jaca muito menos. E você é idiota, Jandira. Tchau.
Ela ( tristinha depois de ler o bilhete) E a pêra, benzinho? E a pêra então que ninguém sabe o que é? E a carambola!!!! E a carambola, amor!


Acho que a HILDA HISLT
escreveu esse texto pensando em mim, só pode ser... Ela sabe o medo que eu tenho de acordar ao lado de uma Jandira.
Ela sabe o medo que eu tenho...
Cruz credo!

Menage


Domingo, Dezembro 07, 2003


Festa legal. A cabeça não agüenta mais. Um pouco de música e gira, gira... Eu, giro, ela gira, ele gira... O teto pára e depois começa outra vez... Ai, ai, ai...
Meu bem você me dá água na boca - umas músicas estranhas estão tocando hoje.
Meus bens, tanta água na boca...
Festa boa, vamos dançar... Mas com quem? Danço eu e ela. Dançam eles dois. Vale dançar homem com homem? Dançamos os três. Tem gente olhando. Problema deles. Nosso amor é pra olhar mesmo. Vamos montar um show e cobrar ingressos. Nós três juntos e tudo vira beijinhos e abraços sem ter fim... Nós três... E os abraços sem ter fim...E nem sei porque olham, só porque somos três... Lugar legal. Gosto desse bar. Todos tão bem hoje.
O Marcelo é o mais bonito, olhão azul. Todos queriam ter olhos azuis, só ele tem. Bom dançar...- vestindo fantasia, tirando a roupa - e essa música, que música é essa?
Tô me sentindo um menino. Tão de brincadeira tudo isso. Nossos folguedos... Telefone sem fio! O quê? Telefone sem fio - ela me diz - quer brincar? Nem me lembro. Fala no meu ouvido, eu falo no ouvido dele , ele fala no teu ouvido e ficamos falando baixinho... e rimos muito, mais rimos do que falamos... a gente sempre ri demais. Poderíamos fazer uma suruba se a gente não risse tanto... Tudo bem , sem suruba, apenas nosso riso... Tudo tão amoramoramor... Telefone sem fio. Fala baixinho. Primeiro amor, i love you, forever; depois gostosa, te beijo, tua boca, tua bunda... Nós três tão i love you e depois do telefone só as nossas deliciosas baixarias... E a gente sempre ri nessa hora - estou com tanto tesão - e rimos adoidado da nossa travessura. Todo mundo olhando. Que saco, nunca viram um casal e mais um? Somos um casal e mais um. Só isso!
Sono. Amanhã trabalho cedo.Vamos embora. Tanto sono agora. Preguiça.A conta, baratinha, os três só na coca-light. Só na coca-light e tanta maluquice. - Nós somos malucos, somos as pessoas que dizem sim, nós somos os que querem ver o circo pegar fogo - a Débbie fala isso. Morro de rir. Que circo? Nós três botamos fogo na cidade inteira. Só na coca light e tão malucos.
Tá friozinho. Pega o edredon - ela pede com aquele jeitinho. Ela é linda, amanhã vai fazer uma tatuagem. Diz que vai ter coragem. Só quero ver , minha linda de tatuagem. Ela quer um abraço antes de dormir. A Débbie pede um abraço, ela quer uma abraço antes de dormir. Vai ganhar dois. Bom ter dois namorados que se adoram, não?

Úrsula


Sexta-feira, Dezembro 19, 2003



Rodrigo 19.12.03
[0] só desencontros (A)



Solidão , um balcão de bar e algumas doses de tequila podem causar coisas terríveis na vida de um homem... E algumas dessas coisas terríveis podem acordar ao seu lado na manhã seguinte. Assim é Úrsula, uma coisa terrível que surgiu na minha vida como um poltergeist, uma assombração numa dessas noites de solidão e muita tequila na cabeça. Úrsula é uma garota, apesar desse nome de transexual cearense... É uma mulher de verdade e descende de alemães. Não é muito alta, magrinha, cabelos louros e pequeninos olhos azuis.
Tudo isso já faz mais de um ano, nunca consigo lembrar direito das coisas que acontecem entre nós. A tequila está sempre tão presente em nossos encontros que a memória não me acompanha até o dia seguinte. Úrsula sempre me acompanha até o dia seguinte, acorda ao meu lado e insiste com aqueles beijos idiotas na minha nuca... Sempre penso que é a última vez que vou vê-la e quando percebo estou mais uma vez acordando com a cabeça dolorida, uma ressaca dos diabos e Úrsula dormindo nua ao meu lado. E assim essa pessoa tem feito parte da minha vida nos últimos meses, no último ano talvez...
Certa vez, logo depois de fazermos amor (não acredito que chamei aquilo de fazer amor) eu disse a ela:
- Úrsula você é surpreendente!
Ela sorriu. E eu continuei:
- Me surpreeende que eu esteja aqui com uma mulher tão feia como você.
Úrsula deu um tapa na minha cara.
E continuou sorrindo.
E fizemos amor de novo.
Ela não tem orgulho, posso dizer o que quiser a ela.
E a partir desse dia ela sempre começa o nosso amor com um tapa da minha cara. E eu sempre digo:
- Úrsula, você é a mulher mais feia com quem eu já transei. Você é a mulher mais feia do mundo.
E digo isso do fundo do meu coração.
Úrsula é feia.
Tem um nome horrível, é flácida, estrábica e possui o pior gosto musical da face do planeta.
Desprezível Úrsula.
Desprezível Úrsula que eu não consigo desprezar.
Impossível dizer não para Úrsula, impossível deixá-la numa mesa de bar sem levá-la comigo.
Eu e Úrsula e nosso sexo sem amor. Sem nenhum amor. Eu não a amo e pouco me importo com ela. E posso chamá-la de assombração e dizer a ela o quanto ela é feia e burra. E ela bate na minha cara e eu revido com mais uma bofetada
E no sexo ela não tem melindres, não tem nojo de nada, não se recusa a nada... Faz tudo que eu mando e me manda fazer as coisas mais absurdas. E ficamos assim, fazendo as idéias sujas um do outro...
Eu nem me importo se ela está feliz, ou se gozou. E ela sempre goza. Nem que tenha que tirar seu vibrador da bolsa e resolver tudo sozinha bem ali na minha frente.
E depois me olha, a vaca, e diz - ele é melhor que tu!
Úrsula me diz que o vibrador é melhor que eu e eu nem me importo.
Quem se importa com o que ela diz?
Nunca apresentei Úrsula a meus amigos, ela é burra demais para conviver com eles. Ela também nunca me pediu para ser apresentada a ninguém.
Eu não me importo nem um pouco com Úrsula, mulher feia, sem atrativos, nem inteligente é.
Três semanas.
Nem um segundo, nem um minuto da minha vida eu perco pensando nela.
Mais de vinte dias...
Não significa nada para mim. Ela é um poltergeist, uma assombração que aparece na minha cama na manhã seguinte...
Mais de vinte dias sem aparecer...
E eu detesto Úrsula e seu corpo feio, seus seios caídos, sua cara magra...
Onde andará Úrsula?
Talvez esteja agora acordando na cama de algum vagabundo por aí. Ela não tem compostura, é uma desclassificada, certamente deve estar saindo com algum bêbado cretino.
Úrsula não aparece mais nos bares, não manda mais notícias...
Você sumiu, sua idiota!
Onde andará você que há tanto tempo não acorda nua ao meu lado dando beijos quentes na minha nuca?
Foda-se.
Quem se importa com Úrsula?






ESCREVI ESSE TEXTO EM 2003, ESCREVI TRANSEXUAL CEARENSE COM TODO O PRECONCEITO QUE A IGNORÂNCIA ME PERMITIA TER. NÃO SABIA O QUE ERA UMA TRANSEXUAL E NEM IMAGINAVA QUE UM DIA EU FARIA UM DOCUMENTÁRIO SOBRE O ASSUNTO ( Uma Questão de Gênero) E TERIA GRANDES AMIGOS TRANSEXUAIS... QUANTO AO CEARENSE NÃO HÁ O QUE DIZER, APENAS QUE O PRECONCEITO HABITA CADA UM DE NÓS, SORRATEIRO E SILENCIOSO E É PRECISO ESTAR ATENTO PARA COMBATÊ-LO, É PRECISO ESTAR MUITO ATENTO...

"Vamos dar uma volta lá no rio?"


Sexta-feira, Dezembro 26, 2003

O convite para dar um passeio na beira do rio me pareceu perfeito. Fazia tempo que não íamos lá. Aquele rio, o sol se pondo... O cenário do nosso início, de quando não sabíamos o que seria de nossas vidas e ter achado alguém com quem dividir as angústias parecia a ser a melhor coisa do mundo. E era.... " Agora eu sei o que é o amor, agora eu sei..."
Nós tão jovens e tão cheios de angústias... Lembro-me dela assim: Angústia. Como se esse realmente fosse seu nome. Angústia. Linda Angústia que eu conheci numa tarde de inverno e que fez da minha vida festa e tempestade. Linda Angústia... Penso nela assim, chamando-a por esse. Não é mais Ana, nem Marisa, não é mais nada além de Angústia para mim.
Naquele dia eu queria estar a sós com ela. Precisava falar. Não sabia o quê, mas tinha a sensação de que precisava estar a sós com ela . Algo me pedia para estar a seu lado, para olhar nos seus olhos, segurar sua mão, exatamente como fazíamos no começo, pouco mais de um ano antes.
Ela, como sempre, leu meus pensamentos e me ofereceu o que eu precisava.

"Vamos dar uma volta lá no rio?" - perguntou naquele fim de tarde de verão
"Sim , vamos dar uma volta..." - respondi aliviado

Lindo sol cor de laranja desmaiando à nossa frente. Nossas roupas, nossos olhos, nossas peles, tudo tão alaranjado... Eu minha doce Angústia passeando de mãos dadas na beira do rio.
"Adoro o vento quando bate assim nos meus cabelos..." - falava essas coisas e depois abria os braços para deixar o vento envolve-la por completo. Os mesmos olhos tristes e docemente eróticos do nosso começo. E dizia essas palavras ao vento. Compramos pipocas e sentamos em um banco de frente para as águas mansas do rio. Tudo tão alaranjado e lindo. Encostou-se a mim, de mansinho como sempre e se aninhou no meu peito, e pediu um abraço forte. Todo morno com o calor do seu corpo eu fiquei... Ouvindo o vento soprar na nossa paisagem, ouvindo Angútia respirar bem perto do meu peito, ouvindo meus próprios pensamentos... " Agora sei o que é o amor, agora eu sei..." que se repetiam feito um mantra em minha cabeça. "Agora eu sei o que é o amor, agora eu sei o que é o amor, agora eu sei ..." Angústia junto a mim, com seu cheiro de canela , seu beijo que eu sabia era o beijo definitivo para mim, seu sexo que eu sabia era o sexo definitivo para mim... Angústia era a mulher que me havia feito como eu era, que me dera meus contornos , que me construira com seu olhar amoroso.
"...agora eu sei o que é o amor, agora eu sei, agora eu sei o que é o amor..."
Passei a mão por seus cabelos escuros, senti a temperatura perfeita de sua pele, olhei para seus olhos de amêndoas , entreabri meus lábios e as palavras não vinham.
"Preciso te dizer uma coisa" - foi o que saiu depois de uns instantes.
Ela, toda silêncio, levantou o olhar até encontrar o meu... Quando me olha nos olhos sei que sou capaz, sou capaz de tudo quando minha Angústia me olha nos olhos como se dissesse " eu confio em você , vá em frente..." Não sorriu, apenas me olhou com uma firmeza que só o amor pode dar.
E eu, lábios tentando articular alguma coisa, voz que se escondia em algum lugar recusando-se a sair, coração explodindo na garganta a cada batida... O mesmo pensamento se repetindo um milhão de vezes: "agora eu sei o que é o amor, agora eu sei o que é o amor..."
Ela me olhando, toda coração, toda amor por mim, toda olhos corajosos me dando a coragem que eu não tinha...
Eu tentando achar uma forma, uma força qualquer para dizer o que estava na minha cabeça e que parecia tão impossível de ser dito: "agora eu sei o que é o amor..."
Ela segurando firme na minha mão sem desviar os olhos um segundo sequer.
"Eu vou me separar de você..." - eu disse com uma voz tão rascante que nem parecia minha.
Ela, estátua, pedra, diante de mim, respiração suspensa, olhos incrédulos...
Eu: "conheci outra pessoa, agora eu sei o que é o amor..."
Ela, ainda pedra, uma lágrima enchendo de brilho o olho gelado.Soltou lentamente minha mão, desviou seus olhos dos meus e perdeu-os na paisagem.
Levantei, tentei dizer adeus mas não ousei, parti caminhando pela beira do rio acobreado pelo sol que morria devagar.
Angústia ficou lá sentada naquele banco, o vento batendo em nos cabelos...
Jamais conversamos de novo. ...
A outra pessoa... Também ficou em algum lugar por aí enquanto eu partia lentamente.
A outra pessoa...
Não lembro muita coisa sobre ela...
Não, ela não me ensinou o que era o amor.

quinta-feira, 17 de maio de 2007

Texticulo



...não esqueça os alicerces...

Você deveria saber


...Eu não sou dos cotidianos,não sou das segundas que precedem as terças, nem das quartas antes das quintas...Não sou dos que contam os dias, as semanas...Não sou dos almoços corriqueiros, dos cafés descompromissados...Você que me conhece tão pouco deveria saber...Ou não...Mas eu adoro esse estado que me faz lançar palavras no ar e vê-las voar em busca de escuta.. Adoro ter que escrever, me calcular em letras, me desenhar em frases...por que algo em mim pulsa mais forte, me agita e me faz criar. Gosto de mim assim, poético e bobo...atrevido e sem medo do ridículo...Não sou dos cotidianos, não mesmo...Você que me conhece tão pouco deveria saber...Não me interesso tanto assim por cozinhas familiares e tortas assadas ao forno... Não, eu não consigo ser por inteiro dessas culinárias banais. Meus ingredientes são de outra ordem. Gosto dos destemperos,dos devaneios, das confissões e das descobertas...Gosto dos fogos que queimam, das especiarias desconhecidas, das línguas ardidas. Não, eu não gosto dos medidores e conta-gotas...Ah, você que me conhece tão pouco... deveria saber......