quinta-feira, 7 de agosto de 2008

No rosto, Antônio Carlos?

No rosto, Antônio Carlos? No rosto? - A voz grave da mulher
podia ser ouvida nas mesas próximas a sua. Repetia atônita. Ouvidos
atentíssimos, um casal, na mesa ao lado, fazia um exercício que misturava
leitura labial, escuta biônica e adivinhação. O que teria dito Antônio Carlos à
pobre mulher? No rosto? - ela repetiu sem voz, mas puderam ler no movimento da
boca as sílabas bem separadas : no-ros-to?

*******

Marília vai a
mais uma sessão de terapia freudiana que frequenta há cinco anos. A terapeuta,
uma gordinha de meia idade, lhe diz que apimentar a vida sexual do casal é
fundamental. Marília está cabreira, é tímida e não gosta de pensar nisso. A
terapeuta, saia justa, blusa com uns babados de seda bem na gola e óculos de
armação de tartaruga ou alguma imitação de tartaruga diz: é preciso ousar no
jogo do sexo, realize as suas fantasias.
Eu não tenho fantasias, nenhuma
fantasia.
Então realize as dele. Hoje a noite, quando estiverem no
restaurante pergunte qual a maior fantasia sexual de seu marido. E realize-a com
ele. Isso se você não quiser perder seu marido para alguma secretária putinha e
jovem da empresa em que ele trabalha - essa parte parecia deixar a terapeuta que
já era naturalmente zangada ainda mais brava.

*******

Eu Juro,
Antônio Carlos, vou realizar, pode me dizer , não tenha vergonha. É preciso
ousar no jogo do sexo.
Marília, eu não sei se isso é uma boa idéia... Em 25
anos nós nunca precisamos disso.
Antônio Carlos, você não vai me trocar por
uma secretária putinha e jovem da empresa em que você trabalha, não vai mesmo.
Eu quero ousar, quero sair dos limites, quero ser livre e realizar as suas
fantasias, vamos Antônio Carlos, fale de uma vez, fale, Antônio Carlos, fale,
fale - essa parte parecia deixar a Marília que sempre era muito calma, bastante
zangada.

*******

Uns minutos de silêncio se seguiram á
declaração de Antônio Carlos. Depois de 25 anos de casado ele confessa a sua
esposa sua fantasia sexual e ela fica ali, parva, repetindo catatônica : No
rosto? No meu rosto?
Antônio Carlos está vermelho de vergonha, arrepende-se
de ter falado. Jamais deveria ter dito. Marília vai passar os próximos 25 anos
repetindo isso: no rosto? no rosto?

*******

Um mês depois,
Marília e Antônio Carlos fingem que aquela conversa jamais aconteceu. A
terapeuta, inconformada, dispara: Você não vai fazer? Bem, depois quando a
putinha da secretária tomar seu marido, e ele tomar todos os seus bens, e você
estiver sozinha e pobre, não me venha pedir pra baixar o preço da sessão. Isso é
que me irrita nessa profissão de merda, eu estou aqui, estou dizendo o que você
deve fazer, e vc faz o quê? Você não faz nada, Marília, nada! Você fica com
essas suas neuroses questionando tudo que eu digo. Azar o seu. São essas coisas
que me fazem lamentar ter optado pela psicologia, as pessoas não estão
preparadas....

*******

Marília põe o seu pior vestido, espera
Antônio Carlos entrar no quarto do casal e diz:
Antônio Carlos, eu vou fazer
isso pelo nosso casamento, entendeu? Vou fazer porque não sou mulher antiquada,
vou fazer porque se você me largar por causa daquela putinha do escritório eu
nem sei o que faço. Eu mato os nossos filhos, Antônio Carlos, mato um por um...
Que putinha, Marília, você tá louca?
Cala a boca, Antônio Carlos, cala a
boca antes que eu desista dessa imundície.
Marília respira fundo, fecha os
olhos, ajoelha-se a frente de Antônio Carlos e diz:
Pronto, pode mijar!