segunda-feira, 18 de junho de 2007

Prozac



O bar não poderia ter nome mais apropriado: Van Gogh! Algumas garrafas de cerveja sobre a mesa. Algumas doses de tequila fazendo uma viagem alucinante pela minha corrente sangüinea, eu, alguns conhecidos e aquela mulher que se aproximou de nós e acabou sentando com a gente. Era uma daqueles momentos bizarros, um encontro de pessoas bizarras... A mulher era uma mistura de prostituta junkie com professora de catequese. Aquela cara branquinha, aquele olhos azuis , aquele comportamento mais do que vulgar, aquelas roupas de dançarina de grupo de pagode prestes a se aposentar...
Um corpo que não era bonito, magro demais...um rosto que não era bonito, cansado demais... E roupas que ela jamais deveria usar. Ela era vulgar! Mais vulgar do que qualquer outra naquele bar, mais vulgar e barata que qualquer outra... Esperava tudo daquela mulher, menos que ela fosse capaz de formular frases.

- Será que o Prozac pode acabar com a arte? – disparou entre um gole de tequila e outro.
Fiquei em choque. De onde ela tirou essa idéia?
- De onde você tirou essa idéia? – perguntei imediatamente.
- Ué, vocês estavam falando que arte é um jeito de agüentar as angústias, que arte só existe porque existe a angústia, o Prozac acaba com as angústias , então pensei que o Prozac poderia acabar com a arte também... – ela respondeu sem pestanejar.
- Hã?! – eu, estupefato, sem saber o que dizer.
Ela me olhava e sorria singelamente mostrando seus dentes amarelados de tanto cigarro enquanto esperava minha resposta.
- Não sei – respondi – E você, o que acha?
- Pra mim não muda nada, não sou artista. Só admiro vocês que podem fazer essas coisas, se eu pudesse pintava um monte de quadros e botava na minha sala. Ou então vendia…
- Mas quando você tem angústias o que você faz?
- Isso que eu tô fazendo agora?
- Isso o quê?
- Vou a um bar e sento na mesa de um desconhecido, qualquer um, um cara solitário, carente, que esteja afim de papo e me pague uma bebida. Fico falando umas bobagens, encho a cara de tequila e esqueço as minhas tristezas, esqueço tudo…

Não ousei perguntar, mas era óbvio que naquela noite o desconhecido solitário, carente, e afim de papo com qualquer pessoa era eu. Aquela mulher decadente, abandonada, mal vestida, feia e magra que eu permiti que se sentasse na minha mesa como um favor, uma concessão, um ato de caridade que se faz para um ser necessitado acabara de dizer que me via como um cara solitário, carente, louco por qualquer companhia e otário, que paga a bebida que ela não pode pagar...

- Tu acha que arte só existe porque as pessoas são angustiadas? – ela insistiu em me interrogar.
- Não sei – eu repsondi, meio confuso...
- Se tu vai num psicólogo, tu não precisa mais ser artista , né?
- Sei lá. – eu não sabia mais o que dizer.
- Mas será que vale a pena? Acho melhor ser artista do que ir no psicólogo e depois não saber mais pintar nada.
- Pode ser...- aquilo já estava me irritando muito.
- Eu não tenho psicólogo e não sou artista, que merda, né?

Fiquei mudo. Não sabia mais o que dizer para aquela criatura que me interpelava com questões tão complexas. Bebi mais um gole de tequila tentando ganhar tempo até que me ocorresse uma resposta que justificasse a impáfia com que eu a havia tratado até o momento…
Observei-a cuidadosamente. A saia curta de Lycra preta, a miniblusa de um tecido metalizado, as costelas que apareciam no corpo magro, os seios pequenos e bem abaixo do que deveriam estar…
Ela bebeu o último gole de tequila que havia em seu copo enquato rabiscava algo em um guardanapo com a caneta que o gaçon deixara sobre a mesa… Olhava para mim como se soubesse que eu não tinha resposta. Seus olhos fundos… me olhavam com uma esperteza que eles definitivamente não tinham dez minutos antes… Percebeu meu contragimento, deve ter se enchido da minha companhia, sei lá…
Levantou-se .

- Tudo bem, gato, não fica pensando nisso, não… Prozac, arte, médico… No fim é tudo a mesma bosta… Vou nessa…

Carimbou minha bochecha com seu batom vermelho vivo e saiu cambaleante, esbarrando nas pessoas que estavam por perto. Pensei em chamá-la de volta. Nem sequer sabia seu nome. Também achei que não seria bom me humilhar novamente dizendo que queria a companhia dela, e que ela se revelara uma companhia interessante, e que eu até começara a ver um certo charme em sua face marcada de rugas e maquiagem barata…
Esbocei um aceno.. Ela nem viu. Foi bêbada por entre as mesas até sumir porta afora…
O guardanapo rabiscado ficou sobre a mesa: Úrsula, Úrsula, Úrsula, Úrsula, Úrsula…

2 comentários:

Guga Türck disse...

Azá Bukowski!

E a fotinho aquela...?

Aline Leão disse...

"A mulher era uma mistura de prostituta junkie com professora de catequese." huauhauhauha AMEI. Rodrigo: aqui é a Aline Leão tua ex-colega da TVE. Adorei o blog. Abraço.