terça-feira, 29 de maio de 2007

Segundas-feiras




Segundas-feiras podem ser quase tão entediantes quanto os domingos.
São dias infernais, cheios de contratempos e malditas coincidências.
Malditas coincidências que nem Jesus Cristo consegue evitar.
Como por exemplo encontrar aquela pessoa no almoço.
Como por exemplo o restaurante estar lotado.
Como por exemplo ela me convidar para sentar em sua mesa.
Como por exemplo eu aceitar.
Como por exemplo respondermos ao garçon ao mesmo tempo, e pedirmos a mesma coisa, como se houvéssemos ensaiado tudo aquilo durante dias.
Ou pior, como se nunca houvéssemos nos separado.
Como se nunca houvéssemos gritado um com o outro, como se nunca houvéssemos dito: onde eu estava com a cabeça ao me apaixonar por você.
E fomos obrigados a rir meio sem graça como sempre acontece naqueles filmes de quinta categoria que a Meg Ryan faz.
OK. Minha segunda-feira se transformara numa comédia romântica de quinta categoria. E eu, o galã de quinta categoria, cometeria uma sucessão de atos patéticos e sem sentido. E minha Meg Ryan, infinitamente menos atrapalhada do que eu, deixaria bem claro o quanto elaborou nossa separação, o quanto evoluiu em seus sentimentos e viu que aquilo tudo era bobagem… E nesse momento ela riria, com aquele ar de quem gastou uma fortuna em psicanálise nesses oito meses e duas semana que não nos encontramos.
“Nossa, eu nem me lembro quanto tempo faz que não nos vemos… Faz bastante, não?”
Ah, e ainda tem isso, a Meg Ryan nem sequer se lembra que faz oito meses e duas semanas que não nos vemos…Não contou o tempo, não lembrou de mim, tampouco pensou todas as manhãs: Hoje faz oito meses e seis dias…. Hoje faz oito meses e sete dias…
Segundas-feiras.
Jesus cristo, por que você me abandona nas Segundas-feiras?
Por que você fica aí parado nessa cruz e não faz nada?
Eu deveria me suicidar em todas as segundas-feiras.
E evitar que coisas horríveis como essas acontecessem.
Minha auto-estima faz isso. Ela comete suicídio a cada segunda-feira.
E as coisas horríveis que me acontecem parecem ser mais horríveis ainda.
Se naquele exato momento o meu cérebro fosse aberto e todos no restaurantes pudessem ver e ouvir os meus pensamentos certamente eles jogariam seus guardanapos na minha cara, lançariam pratos de sopa na minha cabeça e gritariam em coro: Otário, otário!!! Eles veriam quando eu percebi que ela usava o mesmo perfume que costumava ficar no meu lençol depois que passávamos uma noite juntos, e veriam que nessa hora eu respirei mais fundo só para sentir mais um pouco aquele cheiro. E veriam também que eu quase fechei os olhos para me lembrar melhor daquelas noites. Quase. Porque consegui evitar esse ato que seria demasiado humilhante mesmo que somente eu percebesse.
Ainda me restava um pingo de dignidade. Nessa hora percebi.
Ela estava bem. Estava linda e alegre.
A vaca.
Estar alegre depois da nossa separação...
E eu havia tomado a iniciativa de terminar tudo. E ela dizia que ainda gostava de mim. E queria continuar. Ela chorava, eu olhei bem nos olhos dela e disse:
“O melhor é terminarmos por aqui.”
“Mas a gente pode continuar se vendo, não?”
“Não. Se vc quiser ligar para a gente conversar tudo bem. Mas eu não quero mais me encontrar com você”, eu disse forte, implacável, demonstrando toda minha segurança e maturidade quanto àquela decisão.
“Vou sentir sua falta.”
Ela chorou quando me disse essa última frase oito meses e duas semanas atrás.
E agora estava alegre, a vadia.

Mas hoje é segunda –feira… E tudo é diferente numa segunda-feira. Durante o almoço eu repassei mentalmente todas as vezes que a vi nua. Lembrei dos seus seios, dos seus pêlos, suas costas… E parece que ela percebia meus pensamentos, esboçava um sorrisinho de canto quase que debochando de mim. Quase coisa nenhuma. Debochando de mim. Debochando muito..

“Vamos dividir uma torta de limão?” Ela me perguntou.

A torta de limão que a gente sempre dividia. Isso quando a gente estava junto. Agora não tinha mais nada a ver. Comer uma tortinha de limão e no final passar o dedo no prato para pegar os últimos farelos. Ridículo. Isso fazíamos quando éramos apaixonados, não agora.
Não quero essas intimidades com você, sua vaca. Vou comer outra coisa. Nem quero sobremesa hoje.

“Claro, você sabe que eu adoro aquela torta.”

Definitivamente as palavras que saem da minha boca têm vida própria numa segunda-feira. Comemos a torta, limpamos o prato com o dedo. Nossos dedos quase se tocaram duas vezes… Duas não, três vezes. Nossos dedos quase se tocaram três vezes, quase.... Cada vez que isso acontecia eu sentia um calafrio e tinha vontade de gritar: volta pra mim, volta pra mim, eu te amo, a vida é uma bosta sem você...
OK, OK, isso é um tremendo exagero, mas eu sou o galã da comédia romântica de quinta categoria, lembram? Tenho direito sagrado de ser patético. E como exerci esse direito sagrado naquela segunda-feira...
Jesus Cristo, você pularia da cruz e daria um tapa na minha cara se visse o que eu fiz.
Eu a convidei para jantar.
Sim, eu que a havia dispensado definitivamente oito meses e duas semanas antes, estava ali, convidando-a para jantar. Com direito a olhar de mormaço, cara maliciosa e uma voz aveludada que faria qualquer canastrão morrer de inveja.
Ela olhou nos meus olhos, sorriu e disse:
“Não.”
Segunda-feira.
Eu deveria me suicidar nas segundas feiras.
Ou deveria andar sempre com um buraco por perto para enfiar minha cara quando essas coisas acontecessem. Eu e minhas comédias de quinta categoria.
Ah, Jesus Cristo, você bateria com a cruz na minha cabeça se me visse fazendo aquilo.
Segunda-feira.
Odeio Segundas-feiras.

Vizinha






Já falei para vocês que eu me mudei e que tenho uma vizinha que anda pelada pelo apartamento em frente a minha janela? E que eu tenho andado igual a um tarado broxa da terceira idade me esgueirando por trás das cortinas para observa-la sem que ela me veja? Enfim, eu estava fazendo esse papel ridículo de espiar vizinhas nuas até uma bela manhã, quando eu, que estava pelado, fui fechar a janela e deparei com a vizinha, tão pelada quanto eu , fechando a janela do seu apartamento também. Bem, estávamos lá, os dois nus, frente a frente, e foi inevitável passear pelo corpinho da vizinha com o olho mais do que arregalado. Ela também aproveitou o instante para dar uma boa checada no meu. Não tive coragem de arriscar um oi, tampouco um bom dia... Saí meio sem jeito e ela também...
A partir desse dia tenho assistido a várias performances de nudez da vizinha, que depois que percebeu o meu interesse por sua anatomia passou a caprichar mais e mais nas horas em que fica em frente ao espelho...
E como se isso não bastasse, agora também posso ver a vizinha na companhia do seu marido ou namorado em plena cópula. E chamo aquilo de cópula porque francamente é a palavra que mais se adequa ao que eles fazem. Não ousaria chamar aquilo de sexo. Ainda não cronometrei, mas qualquer dia farei isso. Não deve durar mais do que dez minutos o intercurso sexual de minha vizinhança. E tudo é metódico e se repete a cada dia ( pelo menos fazem todo o dia, se isso serve de consolo para alguém) A cena é sempre a mesma. Eu chego e vou para a janela, ela já se encontra em seu quarto, invariavelmente nua, em frente ao espelho, ora penteando os cabelos, ora desfilando e analisando seu próprio corpo. Aí, ela cansa e se deita sobre a cama. Chega o marido no quarto, só de cueca. Ele se deita ao lado dela. Beijam-se por uns trinta segundos aproximadamente. Ele então tira a cueca exibindo uma bunda espetacularmente branca. E acontece aquilo! Aproximadamente uns quatro ou cinco minutos de vai e vem. E acaba. Sim, acaba aos cinco minutos do primeiro tempo. Ele se levanta e sai do quarto em direção ao banheiro. Ela liga a TV e fecha a cortina.
E eu fico lá, procurando nas outras janelas vizinhas, tentando descobrir um casal adepto de práticas mais animadoras.
De tão repetitiva e sem graça a função do casal acabou com meu apetite de espião sexual de vizinhas. Agora, quando chego em casa e vejo que chegou a hora do casal copular fecho imediatamente minha janela : hoje não, estou com dor de cabeça!

domingo, 27 de maio de 2007

Texticulo


O homem escreve alguma coisa. Quer ter alguma idéia genial ou ao menos divertida. Não está genial, tampouco divertido nesse dia. O homem está triste. Triste de uma tristeza que vem de tão longe que ele nem ousa questionar… Aceita a tristeza e se deixa corroer por ela. O homem quer ficar cada vez mais triste e sofre o prazer de estar sofrendo tanto assim…

domingo, 20 de maio de 2007

Úrsula, outra vez...



Faz tempo já…
Úrsula desaparecida…
Deve ter sido atropelada numa noite de bebedeira…Só pode ser isso.
Ela não sumiria assim sem um motivo…
Úrsula que é feia e burra jamais deixaria alguém como eu …
Jamais
Outra qualquer sim, mas não Úrsula… Feia e burra…
Sinto falta da buceta de Úrsula.
Feio falar assim.
Mas ela é feia. Nosso caso é feio..
O gozo dela é feio, faz caras horrendas, berra, estremece toda, contrai os músculos pélvicos… Contrai, contrai…. Sinto falta…Contrai…
Sempre bêbada, sempre louca, sempre rindo, sempre cheia de desejo…
E feia, burra, mal vestida, vulgar.,.,
Odeio Úrsula… Odeio mesmo. Se eu pudesse matava… Dava um tiro, uma facada…
Matava, eu matava se eu pudesse…
Porque ela é feia, horrenda… e sumiu…
Assim, sem dizer nada… Não a encontro em nenhum lugar… Vaca…
Cadê você?
Cadê você que não me deixa mais viver?
Cadê você que não me deixa mais querer ninguém?
Deve ter sido atropelada numa noite de bebedeira…
E morrido…
Ela está morta, ou quase…
Úrsula que é feia e burra jamais me deixaria assim …
Já fui aos bares que ela frequenta… Nada.
Já fui aos bares…
Deve ter morrido mesmo…
Ou quase…
Normal isso…
Ela morreu e eu nunca mais a verei…
Isso pra mim não é nada… †enho minha carreira pra cuidar…
Ela que fique lá, morta…
Ela nunca significou nada para mim mesmo…
Que morra de verdade essa vaca traidora… que abandona pessoas…
Morta. Você está morta para mim.
Sempre esteve, nunca liguei pra você…
Úrsula…
… e se você morreu?
Jâ procuirei nos bares, já perguntei…
Você não morreu mesmo não é, sua idiota?
Você não morreria agora, morreria?
IML
Lista telefônica.
Qual o número do IML?
Deve ter sido atropelada …
Ela não sumiria assim sem um motivo…
Não sumiria…

Bilhete


Terça-feira, Janeiro 13, 2004



Acordei feliz! Ela estava ao meu lado! Tão gostosa a noite passada...
Ai... se um dia ela for embora...
Dava até um nervoso só de pensar.
Queria tê-la para sempre.
Olhei para ela dormindo ao meu lado e escrevi todo o meu amor num bilhete.
O bilhete era assim:

"Meu amor, se você for embora
eu te dou uma surra
até você cair no chão e não ter forças para me deixar.
Se você falar em fugir,
eu te amarro na cama,
te prendo com algemas,
amordaço tua boca,
acorrento teus pés...
Se você um dia pensar em ir com outro
eu ponho um sonífero na sua água,
se ainda assim você pensar nisso,
eu ponho uma droga na sua bebida,
obrigo você a cheirar clorofórmio, benzina, morfina.
Se você insistir, meu bem,
eu dou um soco na sua cara, eu arrebento seus dentes, deixo seu olho roxo.
Se você disser que vai me deixar,
eu quebro suas pernas,
raspo seus cabelos,
te dou choques elétricos,
te ponho no pau-de-arara,
te afogo na banheira,
meu amor, se você quiser me abandonar...
Eu te dou um tiro de revólver,
de metralhadora,
eu boto uma granada debaixo do seu travesseiro
se você quiser me deixar!
Sem você eu sou só força sem fé,
sou um grito sem voz,
um conteúdo sem forma!
Sem você, meu amor, eu sou só um grandão besta que não sabe viver,
um grandão que perto de você é menino assustado,
é olhos tristes,
frio na barriga, coração gelado só de pensar...
Só de pensar que um dia você pode ir embora"

No dia seguinte ela partiu.
Nunca mais falou comigo.
Foi na delegacia e registrou uma queixa contra mim.
Ameaça de morte, ela disse...
Putaquepariu - cada mulher insensível nesse mundo.

Ator-apresentador-locutorsolteiro-artista


Ator-apresentador-locutorsolteiro-artista está pensativo em frente ao computador.
Macy gray canta sua SEXUAL REVOLUTION.
É domingo, ele odeia esse dia.
Dia idiota para pessoas idiotas.
Inclusive você - diz a ele a voz estridente de sua inconveniente consciência.
Consciência estúpida sem qualquer serventia na hora de aumentar sua conta bancária.
Macy insiste na SEXUAL REVOLUTION.
Where, Macy, where? - ele grita.
Grita com tanta vontade que a tela do computador fica cheia de gotículas de cuspe.
Mais interessante assim.
Macy segue cantando e nem sequer sabe que ele existe.
Ator-apresentador-locutorsolteiro-artista pensa nas suas duas pessoas.
Duas.
Apenas duas.
O mundo modernete acha demais: duas.
A não ser que uma não saiba da outra e a outra não saiba da uma e ele finja que não sabe de nada.
O mundo modernete é de uma complexidade...
E por isso ele não pode ter as suas duas pessoas consigo ao mesmo tempo sem ser o maior cafajeste-filho-da-puta-desgraçado que já nasceu.
Ele pensa em telefonar para uma de suas pessoas.
Tem que escolher uma.
Damn it.
SEXUAL REVOLUTION - canta outra vez macy Gray.
But not here in my life - ele responde.
Ator-apresentador-locutorsolteiro-artista desliga o computador.
Cala a boca, Macy Gray! - ele resmunga entre dentes.
Ator-apresentador-locutorsolteiro-artista não telefona para ninguém.
Talvez se masturbe mais tarde e vá dormir sozinho.
OK.
It's a reality show!

Hilda Hist


Há dez anos ele tentava escrever o primeiro verso de um poema. Era perfecionista. Aos 30, anteontem madrugada, gritou para a mulher: consegui, Jandira! Consegui!
Ela ( sentando-se
na cama,
desgrenhada) O quê? O emprego?

Ele Claro que o verso, tolinha, olha o brilho do meu olho, olha!

Ela (bocejando) Então diz, benzinho.

Declamou pausado o primeiro verso: ¿Igual ao fruto ajustado ao seu redondo...¿ Jandira interrompendo: peraí... redondo? Mas nem todo o fruto é redondo...


Ele São metáforas, amor
Ela Metáforas?!?!
Ele É... E há também anacolutos, zeugmas, eféreses.
Ela ?!?!? Mas onde é que fica a banana?


Ele enforcou-se manhãzinha na mangueira. O bilhete grudado no peito dizia: a manga também não é redonda, o mamão também não, a jaca muito menos. E você é idiota, Jandira. Tchau.
Ela ( tristinha depois de ler o bilhete) E a pêra, benzinho? E a pêra então que ninguém sabe o que é? E a carambola!!!! E a carambola, amor!


Acho que a HILDA HISLT
escreveu esse texto pensando em mim, só pode ser... Ela sabe o medo que eu tenho de acordar ao lado de uma Jandira.
Ela sabe o medo que eu tenho...
Cruz credo!

Menage


Domingo, Dezembro 07, 2003


Festa legal. A cabeça não agüenta mais. Um pouco de música e gira, gira... Eu, giro, ela gira, ele gira... O teto pára e depois começa outra vez... Ai, ai, ai...
Meu bem você me dá água na boca - umas músicas estranhas estão tocando hoje.
Meus bens, tanta água na boca...
Festa boa, vamos dançar... Mas com quem? Danço eu e ela. Dançam eles dois. Vale dançar homem com homem? Dançamos os três. Tem gente olhando. Problema deles. Nosso amor é pra olhar mesmo. Vamos montar um show e cobrar ingressos. Nós três juntos e tudo vira beijinhos e abraços sem ter fim... Nós três... E os abraços sem ter fim...E nem sei porque olham, só porque somos três... Lugar legal. Gosto desse bar. Todos tão bem hoje.
O Marcelo é o mais bonito, olhão azul. Todos queriam ter olhos azuis, só ele tem. Bom dançar...- vestindo fantasia, tirando a roupa - e essa música, que música é essa?
Tô me sentindo um menino. Tão de brincadeira tudo isso. Nossos folguedos... Telefone sem fio! O quê? Telefone sem fio - ela me diz - quer brincar? Nem me lembro. Fala no meu ouvido, eu falo no ouvido dele , ele fala no teu ouvido e ficamos falando baixinho... e rimos muito, mais rimos do que falamos... a gente sempre ri demais. Poderíamos fazer uma suruba se a gente não risse tanto... Tudo bem , sem suruba, apenas nosso riso... Tudo tão amoramoramor... Telefone sem fio. Fala baixinho. Primeiro amor, i love you, forever; depois gostosa, te beijo, tua boca, tua bunda... Nós três tão i love you e depois do telefone só as nossas deliciosas baixarias... E a gente sempre ri nessa hora - estou com tanto tesão - e rimos adoidado da nossa travessura. Todo mundo olhando. Que saco, nunca viram um casal e mais um? Somos um casal e mais um. Só isso!
Sono. Amanhã trabalho cedo.Vamos embora. Tanto sono agora. Preguiça.A conta, baratinha, os três só na coca-light. Só na coca-light e tanta maluquice. - Nós somos malucos, somos as pessoas que dizem sim, nós somos os que querem ver o circo pegar fogo - a Débbie fala isso. Morro de rir. Que circo? Nós três botamos fogo na cidade inteira. Só na coca light e tão malucos.
Tá friozinho. Pega o edredon - ela pede com aquele jeitinho. Ela é linda, amanhã vai fazer uma tatuagem. Diz que vai ter coragem. Só quero ver , minha linda de tatuagem. Ela quer um abraço antes de dormir. A Débbie pede um abraço, ela quer uma abraço antes de dormir. Vai ganhar dois. Bom ter dois namorados que se adoram, não?

Úrsula


Sexta-feira, Dezembro 19, 2003



Rodrigo 19.12.03
[0] só desencontros (A)



Solidão , um balcão de bar e algumas doses de tequila podem causar coisas terríveis na vida de um homem... E algumas dessas coisas terríveis podem acordar ao seu lado na manhã seguinte. Assim é Úrsula, uma coisa terrível que surgiu na minha vida como um poltergeist, uma assombração numa dessas noites de solidão e muita tequila na cabeça. Úrsula é uma garota, apesar desse nome de transexual cearense... É uma mulher de verdade e descende de alemães. Não é muito alta, magrinha, cabelos louros e pequeninos olhos azuis.
Tudo isso já faz mais de um ano, nunca consigo lembrar direito das coisas que acontecem entre nós. A tequila está sempre tão presente em nossos encontros que a memória não me acompanha até o dia seguinte. Úrsula sempre me acompanha até o dia seguinte, acorda ao meu lado e insiste com aqueles beijos idiotas na minha nuca... Sempre penso que é a última vez que vou vê-la e quando percebo estou mais uma vez acordando com a cabeça dolorida, uma ressaca dos diabos e Úrsula dormindo nua ao meu lado. E assim essa pessoa tem feito parte da minha vida nos últimos meses, no último ano talvez...
Certa vez, logo depois de fazermos amor (não acredito que chamei aquilo de fazer amor) eu disse a ela:
- Úrsula você é surpreendente!
Ela sorriu. E eu continuei:
- Me surpreeende que eu esteja aqui com uma mulher tão feia como você.
Úrsula deu um tapa na minha cara.
E continuou sorrindo.
E fizemos amor de novo.
Ela não tem orgulho, posso dizer o que quiser a ela.
E a partir desse dia ela sempre começa o nosso amor com um tapa da minha cara. E eu sempre digo:
- Úrsula, você é a mulher mais feia com quem eu já transei. Você é a mulher mais feia do mundo.
E digo isso do fundo do meu coração.
Úrsula é feia.
Tem um nome horrível, é flácida, estrábica e possui o pior gosto musical da face do planeta.
Desprezível Úrsula.
Desprezível Úrsula que eu não consigo desprezar.
Impossível dizer não para Úrsula, impossível deixá-la numa mesa de bar sem levá-la comigo.
Eu e Úrsula e nosso sexo sem amor. Sem nenhum amor. Eu não a amo e pouco me importo com ela. E posso chamá-la de assombração e dizer a ela o quanto ela é feia e burra. E ela bate na minha cara e eu revido com mais uma bofetada
E no sexo ela não tem melindres, não tem nojo de nada, não se recusa a nada... Faz tudo que eu mando e me manda fazer as coisas mais absurdas. E ficamos assim, fazendo as idéias sujas um do outro...
Eu nem me importo se ela está feliz, ou se gozou. E ela sempre goza. Nem que tenha que tirar seu vibrador da bolsa e resolver tudo sozinha bem ali na minha frente.
E depois me olha, a vaca, e diz - ele é melhor que tu!
Úrsula me diz que o vibrador é melhor que eu e eu nem me importo.
Quem se importa com o que ela diz?
Nunca apresentei Úrsula a meus amigos, ela é burra demais para conviver com eles. Ela também nunca me pediu para ser apresentada a ninguém.
Eu não me importo nem um pouco com Úrsula, mulher feia, sem atrativos, nem inteligente é.
Três semanas.
Nem um segundo, nem um minuto da minha vida eu perco pensando nela.
Mais de vinte dias...
Não significa nada para mim. Ela é um poltergeist, uma assombração que aparece na minha cama na manhã seguinte...
Mais de vinte dias sem aparecer...
E eu detesto Úrsula e seu corpo feio, seus seios caídos, sua cara magra...
Onde andará Úrsula?
Talvez esteja agora acordando na cama de algum vagabundo por aí. Ela não tem compostura, é uma desclassificada, certamente deve estar saindo com algum bêbado cretino.
Úrsula não aparece mais nos bares, não manda mais notícias...
Você sumiu, sua idiota!
Onde andará você que há tanto tempo não acorda nua ao meu lado dando beijos quentes na minha nuca?
Foda-se.
Quem se importa com Úrsula?






ESCREVI ESSE TEXTO EM 2003, ESCREVI TRANSEXUAL CEARENSE COM TODO O PRECONCEITO QUE A IGNORÂNCIA ME PERMITIA TER. NÃO SABIA O QUE ERA UMA TRANSEXUAL E NEM IMAGINAVA QUE UM DIA EU FARIA UM DOCUMENTÁRIO SOBRE O ASSUNTO ( Uma Questão de Gênero) E TERIA GRANDES AMIGOS TRANSEXUAIS... QUANTO AO CEARENSE NÃO HÁ O QUE DIZER, APENAS QUE O PRECONCEITO HABITA CADA UM DE NÓS, SORRATEIRO E SILENCIOSO E É PRECISO ESTAR ATENTO PARA COMBATÊ-LO, É PRECISO ESTAR MUITO ATENTO...

"Vamos dar uma volta lá no rio?"


Sexta-feira, Dezembro 26, 2003

O convite para dar um passeio na beira do rio me pareceu perfeito. Fazia tempo que não íamos lá. Aquele rio, o sol se pondo... O cenário do nosso início, de quando não sabíamos o que seria de nossas vidas e ter achado alguém com quem dividir as angústias parecia a ser a melhor coisa do mundo. E era.... " Agora eu sei o que é o amor, agora eu sei..."
Nós tão jovens e tão cheios de angústias... Lembro-me dela assim: Angústia. Como se esse realmente fosse seu nome. Angústia. Linda Angústia que eu conheci numa tarde de inverno e que fez da minha vida festa e tempestade. Linda Angústia... Penso nela assim, chamando-a por esse. Não é mais Ana, nem Marisa, não é mais nada além de Angústia para mim.
Naquele dia eu queria estar a sós com ela. Precisava falar. Não sabia o quê, mas tinha a sensação de que precisava estar a sós com ela . Algo me pedia para estar a seu lado, para olhar nos seus olhos, segurar sua mão, exatamente como fazíamos no começo, pouco mais de um ano antes.
Ela, como sempre, leu meus pensamentos e me ofereceu o que eu precisava.

"Vamos dar uma volta lá no rio?" - perguntou naquele fim de tarde de verão
"Sim , vamos dar uma volta..." - respondi aliviado

Lindo sol cor de laranja desmaiando à nossa frente. Nossas roupas, nossos olhos, nossas peles, tudo tão alaranjado... Eu minha doce Angústia passeando de mãos dadas na beira do rio.
"Adoro o vento quando bate assim nos meus cabelos..." - falava essas coisas e depois abria os braços para deixar o vento envolve-la por completo. Os mesmos olhos tristes e docemente eróticos do nosso começo. E dizia essas palavras ao vento. Compramos pipocas e sentamos em um banco de frente para as águas mansas do rio. Tudo tão alaranjado e lindo. Encostou-se a mim, de mansinho como sempre e se aninhou no meu peito, e pediu um abraço forte. Todo morno com o calor do seu corpo eu fiquei... Ouvindo o vento soprar na nossa paisagem, ouvindo Angútia respirar bem perto do meu peito, ouvindo meus próprios pensamentos... " Agora sei o que é o amor, agora eu sei..." que se repetiam feito um mantra em minha cabeça. "Agora eu sei o que é o amor, agora eu sei o que é o amor, agora eu sei ..." Angústia junto a mim, com seu cheiro de canela , seu beijo que eu sabia era o beijo definitivo para mim, seu sexo que eu sabia era o sexo definitivo para mim... Angústia era a mulher que me havia feito como eu era, que me dera meus contornos , que me construira com seu olhar amoroso.
"...agora eu sei o que é o amor, agora eu sei, agora eu sei o que é o amor..."
Passei a mão por seus cabelos escuros, senti a temperatura perfeita de sua pele, olhei para seus olhos de amêndoas , entreabri meus lábios e as palavras não vinham.
"Preciso te dizer uma coisa" - foi o que saiu depois de uns instantes.
Ela, toda silêncio, levantou o olhar até encontrar o meu... Quando me olha nos olhos sei que sou capaz, sou capaz de tudo quando minha Angústia me olha nos olhos como se dissesse " eu confio em você , vá em frente..." Não sorriu, apenas me olhou com uma firmeza que só o amor pode dar.
E eu, lábios tentando articular alguma coisa, voz que se escondia em algum lugar recusando-se a sair, coração explodindo na garganta a cada batida... O mesmo pensamento se repetindo um milhão de vezes: "agora eu sei o que é o amor, agora eu sei o que é o amor..."
Ela me olhando, toda coração, toda amor por mim, toda olhos corajosos me dando a coragem que eu não tinha...
Eu tentando achar uma forma, uma força qualquer para dizer o que estava na minha cabeça e que parecia tão impossível de ser dito: "agora eu sei o que é o amor..."
Ela segurando firme na minha mão sem desviar os olhos um segundo sequer.
"Eu vou me separar de você..." - eu disse com uma voz tão rascante que nem parecia minha.
Ela, estátua, pedra, diante de mim, respiração suspensa, olhos incrédulos...
Eu: "conheci outra pessoa, agora eu sei o que é o amor..."
Ela, ainda pedra, uma lágrima enchendo de brilho o olho gelado.Soltou lentamente minha mão, desviou seus olhos dos meus e perdeu-os na paisagem.
Levantei, tentei dizer adeus mas não ousei, parti caminhando pela beira do rio acobreado pelo sol que morria devagar.
Angústia ficou lá sentada naquele banco, o vento batendo em nos cabelos...
Jamais conversamos de novo. ...
A outra pessoa... Também ficou em algum lugar por aí enquanto eu partia lentamente.
A outra pessoa...
Não lembro muita coisa sobre ela...
Não, ela não me ensinou o que era o amor.

quinta-feira, 17 de maio de 2007

Texticulo



...não esqueça os alicerces...

Você deveria saber


...Eu não sou dos cotidianos,não sou das segundas que precedem as terças, nem das quartas antes das quintas...Não sou dos que contam os dias, as semanas...Não sou dos almoços corriqueiros, dos cafés descompromissados...Você que me conhece tão pouco deveria saber...Ou não...Mas eu adoro esse estado que me faz lançar palavras no ar e vê-las voar em busca de escuta.. Adoro ter que escrever, me calcular em letras, me desenhar em frases...por que algo em mim pulsa mais forte, me agita e me faz criar. Gosto de mim assim, poético e bobo...atrevido e sem medo do ridículo...Não sou dos cotidianos, não mesmo...Você que me conhece tão pouco deveria saber...Não me interesso tanto assim por cozinhas familiares e tortas assadas ao forno... Não, eu não consigo ser por inteiro dessas culinárias banais. Meus ingredientes são de outra ordem. Gosto dos destemperos,dos devaneios, das confissões e das descobertas...Gosto dos fogos que queimam, das especiarias desconhecidas, das línguas ardidas. Não, eu não gosto dos medidores e conta-gotas...Ah, você que me conhece tão pouco... deveria saber......