terça-feira, 29 de maio de 2007

Segundas-feiras




Segundas-feiras podem ser quase tão entediantes quanto os domingos.
São dias infernais, cheios de contratempos e malditas coincidências.
Malditas coincidências que nem Jesus Cristo consegue evitar.
Como por exemplo encontrar aquela pessoa no almoço.
Como por exemplo o restaurante estar lotado.
Como por exemplo ela me convidar para sentar em sua mesa.
Como por exemplo eu aceitar.
Como por exemplo respondermos ao garçon ao mesmo tempo, e pedirmos a mesma coisa, como se houvéssemos ensaiado tudo aquilo durante dias.
Ou pior, como se nunca houvéssemos nos separado.
Como se nunca houvéssemos gritado um com o outro, como se nunca houvéssemos dito: onde eu estava com a cabeça ao me apaixonar por você.
E fomos obrigados a rir meio sem graça como sempre acontece naqueles filmes de quinta categoria que a Meg Ryan faz.
OK. Minha segunda-feira se transformara numa comédia romântica de quinta categoria. E eu, o galã de quinta categoria, cometeria uma sucessão de atos patéticos e sem sentido. E minha Meg Ryan, infinitamente menos atrapalhada do que eu, deixaria bem claro o quanto elaborou nossa separação, o quanto evoluiu em seus sentimentos e viu que aquilo tudo era bobagem… E nesse momento ela riria, com aquele ar de quem gastou uma fortuna em psicanálise nesses oito meses e duas semana que não nos encontramos.
“Nossa, eu nem me lembro quanto tempo faz que não nos vemos… Faz bastante, não?”
Ah, e ainda tem isso, a Meg Ryan nem sequer se lembra que faz oito meses e duas semanas que não nos vemos…Não contou o tempo, não lembrou de mim, tampouco pensou todas as manhãs: Hoje faz oito meses e seis dias…. Hoje faz oito meses e sete dias…
Segundas-feiras.
Jesus cristo, por que você me abandona nas Segundas-feiras?
Por que você fica aí parado nessa cruz e não faz nada?
Eu deveria me suicidar em todas as segundas-feiras.
E evitar que coisas horríveis como essas acontecessem.
Minha auto-estima faz isso. Ela comete suicídio a cada segunda-feira.
E as coisas horríveis que me acontecem parecem ser mais horríveis ainda.
Se naquele exato momento o meu cérebro fosse aberto e todos no restaurantes pudessem ver e ouvir os meus pensamentos certamente eles jogariam seus guardanapos na minha cara, lançariam pratos de sopa na minha cabeça e gritariam em coro: Otário, otário!!! Eles veriam quando eu percebi que ela usava o mesmo perfume que costumava ficar no meu lençol depois que passávamos uma noite juntos, e veriam que nessa hora eu respirei mais fundo só para sentir mais um pouco aquele cheiro. E veriam também que eu quase fechei os olhos para me lembrar melhor daquelas noites. Quase. Porque consegui evitar esse ato que seria demasiado humilhante mesmo que somente eu percebesse.
Ainda me restava um pingo de dignidade. Nessa hora percebi.
Ela estava bem. Estava linda e alegre.
A vaca.
Estar alegre depois da nossa separação...
E eu havia tomado a iniciativa de terminar tudo. E ela dizia que ainda gostava de mim. E queria continuar. Ela chorava, eu olhei bem nos olhos dela e disse:
“O melhor é terminarmos por aqui.”
“Mas a gente pode continuar se vendo, não?”
“Não. Se vc quiser ligar para a gente conversar tudo bem. Mas eu não quero mais me encontrar com você”, eu disse forte, implacável, demonstrando toda minha segurança e maturidade quanto àquela decisão.
“Vou sentir sua falta.”
Ela chorou quando me disse essa última frase oito meses e duas semanas atrás.
E agora estava alegre, a vadia.

Mas hoje é segunda –feira… E tudo é diferente numa segunda-feira. Durante o almoço eu repassei mentalmente todas as vezes que a vi nua. Lembrei dos seus seios, dos seus pêlos, suas costas… E parece que ela percebia meus pensamentos, esboçava um sorrisinho de canto quase que debochando de mim. Quase coisa nenhuma. Debochando de mim. Debochando muito..

“Vamos dividir uma torta de limão?” Ela me perguntou.

A torta de limão que a gente sempre dividia. Isso quando a gente estava junto. Agora não tinha mais nada a ver. Comer uma tortinha de limão e no final passar o dedo no prato para pegar os últimos farelos. Ridículo. Isso fazíamos quando éramos apaixonados, não agora.
Não quero essas intimidades com você, sua vaca. Vou comer outra coisa. Nem quero sobremesa hoje.

“Claro, você sabe que eu adoro aquela torta.”

Definitivamente as palavras que saem da minha boca têm vida própria numa segunda-feira. Comemos a torta, limpamos o prato com o dedo. Nossos dedos quase se tocaram duas vezes… Duas não, três vezes. Nossos dedos quase se tocaram três vezes, quase.... Cada vez que isso acontecia eu sentia um calafrio e tinha vontade de gritar: volta pra mim, volta pra mim, eu te amo, a vida é uma bosta sem você...
OK, OK, isso é um tremendo exagero, mas eu sou o galã da comédia romântica de quinta categoria, lembram? Tenho direito sagrado de ser patético. E como exerci esse direito sagrado naquela segunda-feira...
Jesus Cristo, você pularia da cruz e daria um tapa na minha cara se visse o que eu fiz.
Eu a convidei para jantar.
Sim, eu que a havia dispensado definitivamente oito meses e duas semanas antes, estava ali, convidando-a para jantar. Com direito a olhar de mormaço, cara maliciosa e uma voz aveludada que faria qualquer canastrão morrer de inveja.
Ela olhou nos meus olhos, sorriu e disse:
“Não.”
Segunda-feira.
Eu deveria me suicidar nas segundas feiras.
Ou deveria andar sempre com um buraco por perto para enfiar minha cara quando essas coisas acontecessem. Eu e minhas comédias de quinta categoria.
Ah, Jesus Cristo, você bateria com a cruz na minha cabeça se me visse fazendo aquilo.
Segunda-feira.
Odeio Segundas-feiras.

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