domingo, 20 de maio de 2007

"Vamos dar uma volta lá no rio?"


Sexta-feira, Dezembro 26, 2003

O convite para dar um passeio na beira do rio me pareceu perfeito. Fazia tempo que não íamos lá. Aquele rio, o sol se pondo... O cenário do nosso início, de quando não sabíamos o que seria de nossas vidas e ter achado alguém com quem dividir as angústias parecia a ser a melhor coisa do mundo. E era.... " Agora eu sei o que é o amor, agora eu sei..."
Nós tão jovens e tão cheios de angústias... Lembro-me dela assim: Angústia. Como se esse realmente fosse seu nome. Angústia. Linda Angústia que eu conheci numa tarde de inverno e que fez da minha vida festa e tempestade. Linda Angústia... Penso nela assim, chamando-a por esse. Não é mais Ana, nem Marisa, não é mais nada além de Angústia para mim.
Naquele dia eu queria estar a sós com ela. Precisava falar. Não sabia o quê, mas tinha a sensação de que precisava estar a sós com ela . Algo me pedia para estar a seu lado, para olhar nos seus olhos, segurar sua mão, exatamente como fazíamos no começo, pouco mais de um ano antes.
Ela, como sempre, leu meus pensamentos e me ofereceu o que eu precisava.

"Vamos dar uma volta lá no rio?" - perguntou naquele fim de tarde de verão
"Sim , vamos dar uma volta..." - respondi aliviado

Lindo sol cor de laranja desmaiando à nossa frente. Nossas roupas, nossos olhos, nossas peles, tudo tão alaranjado... Eu minha doce Angústia passeando de mãos dadas na beira do rio.
"Adoro o vento quando bate assim nos meus cabelos..." - falava essas coisas e depois abria os braços para deixar o vento envolve-la por completo. Os mesmos olhos tristes e docemente eróticos do nosso começo. E dizia essas palavras ao vento. Compramos pipocas e sentamos em um banco de frente para as águas mansas do rio. Tudo tão alaranjado e lindo. Encostou-se a mim, de mansinho como sempre e se aninhou no meu peito, e pediu um abraço forte. Todo morno com o calor do seu corpo eu fiquei... Ouvindo o vento soprar na nossa paisagem, ouvindo Angútia respirar bem perto do meu peito, ouvindo meus próprios pensamentos... " Agora sei o que é o amor, agora eu sei..." que se repetiam feito um mantra em minha cabeça. "Agora eu sei o que é o amor, agora eu sei o que é o amor, agora eu sei ..." Angústia junto a mim, com seu cheiro de canela , seu beijo que eu sabia era o beijo definitivo para mim, seu sexo que eu sabia era o sexo definitivo para mim... Angústia era a mulher que me havia feito como eu era, que me dera meus contornos , que me construira com seu olhar amoroso.
"...agora eu sei o que é o amor, agora eu sei, agora eu sei o que é o amor..."
Passei a mão por seus cabelos escuros, senti a temperatura perfeita de sua pele, olhei para seus olhos de amêndoas , entreabri meus lábios e as palavras não vinham.
"Preciso te dizer uma coisa" - foi o que saiu depois de uns instantes.
Ela, toda silêncio, levantou o olhar até encontrar o meu... Quando me olha nos olhos sei que sou capaz, sou capaz de tudo quando minha Angústia me olha nos olhos como se dissesse " eu confio em você , vá em frente..." Não sorriu, apenas me olhou com uma firmeza que só o amor pode dar.
E eu, lábios tentando articular alguma coisa, voz que se escondia em algum lugar recusando-se a sair, coração explodindo na garganta a cada batida... O mesmo pensamento se repetindo um milhão de vezes: "agora eu sei o que é o amor, agora eu sei o que é o amor..."
Ela me olhando, toda coração, toda amor por mim, toda olhos corajosos me dando a coragem que eu não tinha...
Eu tentando achar uma forma, uma força qualquer para dizer o que estava na minha cabeça e que parecia tão impossível de ser dito: "agora eu sei o que é o amor..."
Ela segurando firme na minha mão sem desviar os olhos um segundo sequer.
"Eu vou me separar de você..." - eu disse com uma voz tão rascante que nem parecia minha.
Ela, estátua, pedra, diante de mim, respiração suspensa, olhos incrédulos...
Eu: "conheci outra pessoa, agora eu sei o que é o amor..."
Ela, ainda pedra, uma lágrima enchendo de brilho o olho gelado.Soltou lentamente minha mão, desviou seus olhos dos meus e perdeu-os na paisagem.
Levantei, tentei dizer adeus mas não ousei, parti caminhando pela beira do rio acobreado pelo sol que morria devagar.
Angústia ficou lá sentada naquele banco, o vento batendo em nos cabelos...
Jamais conversamos de novo. ...
A outra pessoa... Também ficou em algum lugar por aí enquanto eu partia lentamente.
A outra pessoa...
Não lembro muita coisa sobre ela...
Não, ela não me ensinou o que era o amor.

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